"Belas formas”, enquanto se prepara para se deitar lembra, “deve ter tido uma boa educação”,tira a roupa e senta-se na cama, “mas também metida demais”,leva um susto olhando para a sua meia: ” nossa, onde achei isto? Não me lembro mais, deve ser conseqüência da economia, que vulgar! mas de onde conheço esta fulana? ajeitar estas meias é pior, muito pior do que ajeitar as idéias”. Ri do que pensou, pega o sapato do chão fitando-o e, com o sapato na mão, ergue os braços como que querendo reger as palavras “ mas também qual mulher vai querer uma outra tão relaxada?” se fosse um homem não precisaria ter esta preocupação. “Onde foi parar a minha vaidade?” joga o sapato em algum canto do quarto. Levanta-se coloca as duas mãos nas costas e joga o corpo para trás, ergue os braços e equilibra-se apenas com os dedos do pés numa tentativa de alongamento. Fica na mesma posição uns três minutos olhando para o teto e lembrando da pessoa com quem conversou na noite. “ É, não bebi muito esta noite...mas estou cansada não devo ter causado boa impressão será que anotei um telefone? ” anda até a porta do banheiro, maçaneta na mão a porta range todas as vezes que ela não quer fazer barulho já chamou o marceneiro umas vinte vezes. Sem pensar dá um chute descalça na porta. Sente uma dor tremenda nas pontas dos pés. Um uníssono “CARALHO!!!!” é ouvido pela vizinhança toda. Começa a rir de sua falta de jeito. “Meu Deus quem eu penso que sou? precisava fazer todo este barulho? ah! que esta vizinhança toda se foda também”, espreguiça-se novamente para no vão da porta com olhar pensativo: “Se ela não achasse que o mundo gira em torno dela bem que daria para investir um pouco mais, não é nenê?” sempre se refere a si própria neste termo quando está confusa com alguma coisa. Olhando-se severamente no espelho pensa: “porque? porque as coisas são assim? olha só! “ espanta-se “mais uma ruguinha querendo nascer debaixo de meus olhos...atrevida! não vai me confundir não! Pode sair daí, já!!! “ diz fazendo gestos com as mãos “é... o animal mais feroz da natureza é o tempo. Olha só espelho ” diz fitando-o “ a fragilidade de minha pele sendo produzida por você e por seu amigo tempo, a fragilidade de minha emoção. É... mas é certo, não tenho mais a ansiedade do jovem. Vivo há tanto tempo só acho que vou continuar assim. Tá difícil arrumar alguém para brincar não é nenê?” diz isto enquanto passa o creme de rosto. “Estão ficando todos muito sérios. O politicamente correto está apenas reforçando preconceitos. Pois é....” para um pouco e fica fitando-se no espelho como se tivesse tendo um insight. “Nunca se morreu tanto de preconceito como agora, tirando as guerras oficiais, é claro. O politicamente correto deseducou as pessoas, empurrando-as para os seus guetos imaginários além de privá-las do que realmente sentem, e isto é um perigo! O falso respeito gera uma bomba atômica! Pois é... e, eu que apenas queria viver a minha vida em paz: trabalhar, ganhar a minha grana, beber minha bebida,namorar um pouco, só isto mas, este povo não me deixa em paz. Sempre tem um lembrando-me de minha sexualidade, não dá mais para relaxar. Porra me arrependo de ter assumido minha sexualidade, viu nenê?” fala sem convicção olhando-se no espelho, “devíamos ter mantido em segredo. Não entendo o porquê mas isto ainda incomoda um monte de gente.” Começa a escovar os longos cabelos, percebe mais um fio branco sorri “novamente o tempo...” com muito cuidado, e isto é um ritual de toda noite, prende os cabelos em sua cabeça, grampo por grampo abertos nos lábios, ajudados por seus dentes, num ritual tão feminino que ninguém no bar imaginaria que aquela figura fosse capaz. Depois de terminada a toca procura a redinha para vesti-la e por fim, o lenço de cabelo. Volta ao quarto já vestida para dormir percebe ser cedo, procura um livro para relaxar e acaba escolhendo uma revista, mas não consegue relaxar como queria. Resolve levantar-se e ir até a cozinha: toma um copo de água, procura o leite, acha o achocolatado mas prefere derreter uma barrinha de chocolate no leite coisa que sempre faz. Volta à cama com a caneca com o leite quente, quase tropeça no sapato que agora a pouco desdenhou e jogou em um canto do quarto, arrasta-o com o pé sem paciência para debaixo do guarda-roupa. Está de volta no conforto de sua cama, lençóis macios e perfumados de linho egípcio que custaram uma pequena fortuna mas sempre quis ser Cleópatra e daí? dinheiro não serve para isto? Fica um pouco estática sentindo a maciez que a envolve, esfrega as pernas nos lençóis para senti-los em sua pele. Leva a xícara com o leite até os seus lábios. Sente um arrepio: a bebida tem a cor da pele que conheceu nesta noite. As vezes a imaginação nos leva a lugares que não esperávamos...Fecha os olhos e deixa se envolver por este sentimento, acha divertido. Toca de leve com os lábios a caneca. Sente a quentura em sua pele. Fica surpresa: está excitada, passa a caneca de leve em seu rosto. Consegue se lembrar do perfume que a acalentou durante algum tempo dentro do bar. Imagina o pescoço daquela moça, os cabelos por entre os seus dedos. O semi-beijo que aconteceu. O tom de voz. Fica um tempo completamente parada extasiada com os detalhes de sua lembrança. “É amanhã eu ligo para ela, vou correr o risco". Hora do sono. Hora do sonho. Coloca a caneca no banco que usa como criado-mudo, a revista no chão. Encosta o rosto no travesseiro, sente o aroma de fronhas limpas. Fecha os olhos e se entrega e sem perceber deixa que mais um dia se acabe.
Este será um espaço onde exporei meus trabalhos tanto de escritos (apesar de não me considerar "escritora") e meus objetos feitos com reciclagem de materiais.
terça-feira, 25 de agosto de 2009
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Quem sou eu
- silponzil
- São Paulo, São Paulo, Brazil
- A cada dia se reforça o discurso e a necessidade da Reciclagem de Materiais, eu respeito. Mas o que mais me atrai é poder dar forma e vida a objetos que estariam fadados às cinzas e a destruição: Reutilizar, Refazer. Respeito ao ambiente, às gerações futuras e aos próprios objetos. Somos uma totalidade. Não há como separar, o conhecimento popular, a arte a cultura, a história. O que nos une é a busca.
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