Quem nunca acordou, pelo menos uma vez na vida, de manhã com um vazio cerebral? Sem se lembrar de nada da noite anterior: pode ser que tenha vindo para casa de táxi, pode ser que tenha vindo a pé, pode ser que alguém o trouxe para a sua casa, pode ser. O “pode ser” abre brechas inimagináveis: solta um sorriso maroto e recorda-se: "cu de bêbado não tem dono, é para ter?" dá de ombros e sorri amareladamente pelo vazio que sente invadi-lo. Pois é leitor quer atirar a primeira pedra? Então atire!
Tenta sair da cama, cai de lado, a cabeça está por demais pesada para qualquer esforço. Fecha os olhos em uma tentativa - aliás, todas as tentativas são válidas quando se está só e com o corpo e a alma vazios e pesados ao mesmo tempo.
Prefere ficar mais um tempo ali parado: Há um trompete, um bumbo e um reco-reco dentro de sua cabeça. Todos muito desafinados e desconexos entre si, cada qual quer tocar no ritmo que lhes convêm. Fica imóvel olhando para o teto pensando se esta orquestra um dia irá parar. Lembra-se das aulas de yoga e agora? sempre cochila nas aulas. Olha o drama leitor: só vai para olhar os seios da orientadora, pois é...
Fixa o olhar em uma mancha no teto. Consegue sorrir. A mancha parece uma boca a lhe sorrir. Fecha os olhos novamente, a mancha lhe fala: “que porre hein, meu camarada...” assusta-se abre os olhos arregalados, o que lhe dá uma fisgada na região. Estará bêbado ainda? Ou será loucura? A mancha está lá gargalhando para ele: “Você está surpreso? Sou eu mesma quem lhe fala. Que porre hein? Ficou com quantas nesta noite? Eu sempre fico aqui a observar as suas orgias... Pensei que nunca ouviria minhas palavras.” Com um impulso pula da cama. Sente uma tontura enorme. Quase cai. Se segura no armário de roupas. A orquestra entra em frenesi. Esfrega os olhos. Será loucura? O que tomou ontem para ter alucinações ainda hoje?
“Toma uma aspirina meu chapa” - ouve a voz lhe falar - “acho que está dentro da gavetinha do armário do banheiro pode ser que te ajude um pouco ou você quer um café amargo? Neste caso você terá um pouco mais de trabalho, tá vendo o que dá morar só? Se ao menos você tivesse alguém aqui este alguém lhe faria um café...”, coloca as mãos sobre as orelhas - se não estivesse tão tonto até arriscaria a olhar para cima - e a voz continua “ não se preocupe eu realmente não existo sou a sua consciência, se é que algum dia você conseguiu formar uma” - diz em uma forma jocosa – “mas ao que parece sim, aqui estou! sorte ou azar?” diz estas palavras e solta uma gargalhada, gargalhada que lhe lembra de Chuck o boneco assassino.
Resigna-se cai novamente na cama com os olhos para cima olhando para o teto. Ficará um pouco mais a vontade já que sua consciência resolveu lhe visitar justo hoje. Porque os predadores sentem o cheiro de fraqueza no ar? Sabe que não será nada fácil este momento. Mas vamos lá, e, ele nota a boca gesticulando sem parar. Observa-a e ela até se parece com alguém. Existem dias que prefere ficar surdo, sempre consegue esta façanha quando quer, principalmente quando a ex-esposa aparece por ali lhe pedindo dinheiro para a filha que já há dois anos não vê. Mas aquilo está jogando suas palavras profundamente em seus ouvidos. É impossível não ouvi-la. Será mesmo possível ouvir a voz da consciência como o grilo falante do Pinóquio? Nunca acreditou nas histórias que sua tia lia para ele quando ainda era criança, aliás, sua tia era bizarra: sempre com historinhas de moral no final querendo que acreditasse nas teses cristãs. Será que sua tia estava certa? A única coisa que sabe é que ela está morta: "pobre titia nunca conseguiu me fazer crer nestas coisas".
E a boca gesticula. E ele lembra: lembrar-se é uma das formas de fugir de qualquer situação. Como o episódio no trabalho quando o amigo disse-lhe que tinha perdido o emprego... Coitado! mal sabe que fora ele próprio o responsável pelo afastamento do “amigo” mas, quem mandou o cara saber mais, ser mais competente e achar que realmente eram amigos? Coitado do cara, nunca ficará sabendo que lhe roubara tudo o que tinha, inclusive, a namorada que também descartou como um lenço de papel usado. O mundo não é dos mais espertos? De onde as pessoas acham que arruma tanto sucesso e dinheiro para ter tudo o que tem? E a boca gesticulando... Para que ter consciência nesta fase da vida? Adiantaria alguma coisa? Que coisa chata! Vê o rosto de sua tia naquela mancha: dei para ver fantasmas agora? Isto tudo é uma ilusão. Passeia com os olhos pelo quarto inteiro. Acha o controle remoto da TV bem perto de si. Arrisca a apertar o botão e, lá está o Faustão fazendo que todos os seus fantasmas se dissipem na imagem. Eureca! Lá se foi a consciência, está até melhor. Levanta-se. Coloca a orquestra para afinar. Abre a janela com vista para a Cantareira. Entra uma suave brisa de verão. Há canto dos pássaros. Arrisca até a adivinhar o canto de um. Vai até a cozinha. Aperta o botão do fogão, logo aparece a chama. Pega a chaleira. Coloca água para esquentar. Enquanto sente o cheiro inconfundível de café decide pintar o quarto, coisa que hoje mesmo irá verificar com o síndico do prédio. E, na hora exata toma, com todo o prazer e em uma golada, à sua saborosa ex-companheira consciência: “Tim-tim à minha promoção!”
Este será um espaço onde exporei meus trabalhos tanto de escritos (apesar de não me considerar "escritora") e meus objetos feitos com reciclagem de materiais.
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
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Quem sou eu
- silponzil
- São Paulo, São Paulo, Brazil
- A cada dia se reforça o discurso e a necessidade da Reciclagem de Materiais, eu respeito. Mas o que mais me atrai é poder dar forma e vida a objetos que estariam fadados às cinzas e a destruição: Reutilizar, Refazer. Respeito ao ambiente, às gerações futuras e aos próprios objetos. Somos uma totalidade. Não há como separar, o conhecimento popular, a arte a cultura, a história. O que nos une é a busca.
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